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sábado, 17 de dezembro de 2016

Natal Esquecido

Esqueci os verdes inquietantes da minha terra natal.
Há algum tempo que já perdi a minha raiz.
Estou solta noutra terra que em tempos foi meu sonho.
Retorno com uma certa ansiedade 
que nasce do medo do passado.
Um receio palpável dos paradigmas que escolhi reinventar.
Tenho cúmplices que me seguram com uma força preocupante.
Mas no Natal todos voltamos a ser as crianças 
que esquecemos, para o bem e para o mal.
Embora a terra não tenha culpa dos nossos equívocos, 
guarda o cheiro dos traumas.
E a minha terra tem muitos, coitada.
Há de me trespassar com o vento das palavras perdoadas, 
mas nunca esquecidas.
No regresso esconderei a turbulência da minha viagem.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O consultório pediátrico

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O ambiente adquirira tons pesados e densos, partilhados por todas. As 10 mulheres estavam conscientes dos riscos inerentes ao plano que ali traçaram. Haviam-se conhecido no consultório do pediatra. O médico obrigava a esperas prolongadas os pequenos doentes e suas pacientes Mães. As crianças tornavam-se insuportáveis, exigentes de atenção e cuidados. Elas, as Mães, irritavam-se impotentes. Cansadas, iniciaram conversa banal. A intimidade havia-se instalado de forma diretamente proporcional ao tempo que ali desperdiçavam.  Aos pouco foi urdido um plano. Haviam de fazer pagar o médico, esse perdulário do tempo dos outros. Decidiram entrar todas no consultório de uma só vez e acabar com aquela ditadura pediátrica. Subitamente cai o lustre redondo no centro da sala, precisamente no instante em que combinaram a invasão. Surpresas entenderam como sinal. 10 mulheres invadiram o consultório.  O médico estava ausente.

sábado, 3 de dezembro de 2016

Ave Terra Maria

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Terra minha cheia de graça,
Do mar horizonte sobreposto,
Bendita és, linda e doce, dentre todos os planetas,
Abençoado é o fruto do teu regaço, banhando por tanta luz.

Sagrada mãe da humanidade,
Intercedei por nós criaturas fracas e frágeis,
Acolhei-nos no teu seio hoje e sempre.
E na hora da nossa morte consente que repousemos nas tuas entranhas,
Donde renasceremos infinitas vezes,
Até à hora da tua morte.
Amém

quinta-feira, 14 de abril de 2016

O Dono da Eternidade

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Taciturno e doente, arrastava os sapatos pelo o chão de madeira corrida. Parecia praguejar baixinho, constante na queixa. No cinto pendurava-se um molho de chaves que abriam as numerosas salas, submergidas em conhecimento. Vigiava a entrada com ressentimento. Poucos entravam naquela biblioteca cheia de pó, ácaros e aranhas. Ninguém percebia o tesouro que escondia. O bibliotecário  zelava com cuidado o segredo da sua antiguidade. Os poucos que da biblioteca se acercavam eram judiciosamente ignorados, e perdiam-se no labirinto.  Agastados desistiam e procuravam saber em outras bandas, agora mais simpáticas e nas pontas dos dedos. São tão estúpidos esses estudantes. Ignorantes e preguiçosos, pensou.  Um grupo de rapazes invadiu o átrio. Procuravam um livro obsoleto. Pode indicar-nos onde podemos encontrar livros dos anos sessenta? Olhou com desprezo. Ah, isso é muito difícil de pesquisar, murmurou. E especificamente qual é o interesse de vossas mercê? Magia, explicou o mais astuto. Isso não existe. Muito menos no século XX. Empurrou-os sem cuidado e voltou ao seu inferno. O molho de chaves caíra no chão. Ninguém repara. O estudante engenhoso enfiou-as na mala sorrateiramente, novo dono da eternidade.



quinta-feira, 31 de março de 2016

Quando Chove

Land & S33 | S33 7
Deparou-se com uma irritante tempestade, a chuva a cair aos borbotões, a molhar todos, Deus e o diabo. Avançou munido de um resistente chapéu-de-chuva e uma guarda-de-tudo-capa, excepto os sapatos. Uma ideia ténue, libelinha, esvoaçou-lhe: dançar absurdamente ao ritmo do “Singing in the Rain”, “tap dancing” qual Gene Kelly, dançar num ritmo cheio de vida como água que corre solta? Porque não? Ensaiou afastar o chapéu-de-chuva. Mal destapou a cabeça sentiu os pingos da chuva a expulsar a razão, num “reset” total e voluntário. Despiu todos os aparatos protetores, chapéu-de-chuva, capa, sapatos, roupa. Viu-se nu, a alma lavada, quase inocente. Em colisão final, tudo e nada aconteceu. Já era Mar. 

quinta-feira, 3 de março de 2016

E agora em que idioma escrevo? Português ou Inglês? Não é fácil escolher... Há demasiadas gavetas, organizadas por línguas e pronúncias diferentes. Existem gavetas cariocas, divertidas e soltas, sem preconceitos, sem malícia. Para pensar de forma objectiva, pragmática e analítica, saltam as gavetas fluentes e afirmativas do inglês, das planícies do Mid West americano. Já as gavetas do British sugerem charme e mundo. As reflexões filosóficas e as zangas são dominadas por português citadino e as comunicações diárias em cascalense. Adiciono à mistura referências do Porto e do Minho. Faz sentido? Não. É divertido e confuso,
numa lógica interna que só o subconsciente percebe. E eu à mercê desta dança entre humores e falares e o interlocutor em espanto.

terça-feira, 7 de junho de 2011



Andou desamparado sobre a calçada irregular. A mão abraçava um ramo de flores do campo frescas e coloridas. Desejava entregar-lhe uma prova sincera e inequívoca do amor que sempre lhe dedicara. Sabia da importância deste gesto para o seu próprio destino. Atravessou a rua com um suspiro impaciente. Pretendeu cruzar o portão quando foi interpelado: – Senhor hoje o cemitério está encerrado.